Bom, não consegui cumprir o prazo essa semana… Mas para não deixar o tempo passar sem publicar conteúdo algum por aqui, resolvi passar por cima da timidez e da auto-crítica e publicar um conto que escrevi. Devo dizer que o conto se baseia em dois cenários de jogos de RPG (hobbie que pratico desde criança, graças ao meu pai), Mago: O Despertar e Changeling: Os Perdidos. Preparando um personagem para jogar com colegas da faculdade, acabei me inspirando e escrevendo o texto abaixo como uma introdução, um prelúdio para a história que se desenvolveria. Conforme as idéias forem surgindo, e o jogo for se desenrolando, espero conseguir escrever continuações.
Espero que gostem!
***
“DESPERTAR
Quando tudo parou de rodar, Marcus levantou a cabeça para olhar para fora do carro capotado. Não se recordava direito do que ocorrera, mas a cena que via era indescritível. Árvores haviam sido arrancadas da lateral da estradinha e despedaçadas, enormes pedaços de troncos jaziam ali espalhados. O próprio chão parecia uma bocarra aberta, expondo suas presas para o céu. Não fazia ideia do que estava acontecendo. Não, ainda não havia acabado. Um barulho terrível se fazia lá fora, e era impossível saber de onde vinha, por causa da tontura, talvez. O cheiro de sangue, seu sangue, se misturava com o da gasolina vazando ao seu lado, e fez com que Marcus sentisse uma súbita vontade de escapar dali o mais rápido possível.
Por sorte conseguira soltar a fivela do cinto de segurança com certa tranquilidade, mas rastejar através da janela sobre centenas de cacos de vidro não seria tão fácil assim. Centímetro a centímetro, ele se arrastou para fora das ferragens, sentindo como se um milhão de agulhas fossem enterradas em sua pele e logo retiradas. Os ruídos aumentavam, e agora ele conseguia distinguir mais claramente os sons. Percebeu com horror a bizarra mistura de rosnados guturais com riso de várias crianças. Nada daquilo fazia sentido para ele, mas a dor interminável o impedia de raciocinar claramente. Olhou finalmente para suas pernas, apenas para descobrir o que grandes farpas de metal retorcido eram capazes de fazer com sua pele.
Tentou se levantar, mas parecia uma tarefa impossível. Rastejou para a estreita faixa de pedregulhos e madeira destroçada que margeava a estrada arruinada, e procurou uma posição em que seu corpo doesse menos. Não encontrou. Vasculhou os bolsos da calça em busca de seu celular, mas logo viu que o aparelho estava quebrado devido ao acidente.
O ruído aumentava, e era assustador. Marcus não sabia se suas mãos tremiam de medo ou por causa do estado de choque em que se encontrava. Enquanto tentava focar a visão, o rosnado e os risos silenciaram subitamente, e ele percebeu farfalhar nas árvores à frente, que não haviam sido arrancadas do chão. O farfalhar se aproximava, e logo surgiu do meio da vegetação um rapaz de feições estranhas, embora não desse pra dizer o que havia de errado com sua aparência. Marcus olhou para o rapaz, que parecia exausto e apavorado, e tentou avisar do carro capotado e da gasolina vazando, mas algo chamou a atenção de ambos.
Conseguiu identificar alguns elementos do que via, pelos de animal, garras, presas, olhos grandes e amarelos, mas de alguma forma o rosto lembrava o de uma criança pequena. Não fazia sentido, nada fazia sentido. A criatura ergueu a cabeça e gritou, o que parecia o lamento de uma criança frustrada misturado com o uivo de um lobo. O rapaz caiu no chão, tapando os olhos com as mãos, em desespero. Marcus fechou os olhos instintivamente.
Quando os abriu de novo, estava em um lugar completamente diferente. Um salão amplo, repleto de pilares de madeira, com piso também de madeira e paredes de pedra. Algumas janelas estreitas e altas permitiam a entrada da luz, que à princípio era ofuscante. Caminhou pelo salão vazio, passou por entre pilares, aproximou-se de uma parede, e pôde perceber que as pedras que a compunham não eram lisas. Em cada palmo de parede, nomes e mais nomes estavam entalhados, rabiscados, esculpidos. Alguns ele conseguia ler, outros estavam em línguas desconhecidas, e outros ainda nem pareciam ser feitos de letras, mas ele sabia que eram nomes. Acompanhou a parede com atenção por vários metros, e encontrou um lugar vazio. Percebeu que sabia o que deveria fazer, sempre soube o que deveria fazer. Sujou os dedos no sangue de um de seus vários ferimentos, e rabiscou seu nome na parede decididamente, traço a traço. Quando terminou, olhou para trás e viu uma porta, também de madeira, entalhada com temas de gavinhas, espinhos, videiras e folhagens. Estava entreaberta, mas pela fresta só se via escuridão. Respirou fundo, empurrou a porta e entrou.
Estava de volta à beira da estrada, mas o torpor do medo não mais tomava conta de seu corpo. Num impulso, levantou, correu mais rápido do que a razão permitia acreditar, na direção do rapaz. Agarrou-o pelo braço e o ajudou a se levantar. Sentiu os terríveis olhos amarelos se encherem de fúria atrás de si, mas continuou correndo para longe dali. O monstro inominável não o seguiu e, embora por grande trecho do caminho percorrido ele ainda sentisse aquele fedor horrível de pelo molhado, sabia que estava novamente em segurança. Não sabia o que havia acontecido, nem o que estava pela frente mas, por enquanto, estavam seguros.”
Gostaram? Não gostaram?
Por favor, não sejam muito cruéis em seus comentários.