Coraline

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“Você realmente não entende, não é? – disse – Eu não quero tudo o que eu quiser. Ninguém quer. Não realmente. Que graça teria ter tudo o que se deseja? Em um piscar de olhos e sem o menor sentido. E daí?”

Edição nacional, pela Ed. Rocco.

Edição nacional, pela Ed. Rocco.

Essa semana reli o livro Coraline, de Neil Gaiman, um dos meus autores favoritos. E me surpreendi como o filme me fez quase esquecer de que o livro é muito mais sinistro que sua versão animada e colorida. A arte de Dave McKean contribui bastante para esta percepção, mas a principal diferença está na narrativa, onde Coraline está sozinha em um mundo perturbadoramente familiar e estranho.

Coraline Jones é uma garotinha que acabou de mudar para um enorme casarão antigo, onde moram várias pessoas em alas fechadas. Suas vizinhas de baixo são duas senhoras que em tempos de juventude foram atrizes de teatro, e hoje vivem de lembranças de seus dias de brilho. O velho do andar de cima é meio biruta, e treina ratos para realizarem truques de circo. Os pais de Coraline estão sempre ocupados, e não dão a atenção que ela gostaria de ter.

Certo dia, Coraline descobre em sua nova casa uma porta que dá para uma parede de tijolos, e fica se perguntando o que haveria do outro lado. Então descobre que durante a noite, os tijolos não estão ali, dando lugar a um corredor escuro, e encontra do outro lado uma casa idêntica à sua, com a mesma mobília e decoração, e uma versão muito mais interessante de sua família e vizinhos.

- É CO-ra-li-ne, não Caroline!

– É CO-ra-li-ne, não Caroline!

A cada visita, Coraline aprende um pouco mais sobre esse outro mundo e sua Outra Mãe, personagem descrita de forma peculiar desde o início do livro, diferente do filme, onde ela muda aos poucos. No livro, o que muda é a percepção da garota quanto à Outra Mãe, e nem tanto a aparência da mesma. O ponto de virada se dá quando a mesma oferece à garota se tornar parte daquele mundo, apenas costurando botões negros sobre seus olhos, características de todos os habitantes daquele lugar.

É também nesse outro mundo que Coraline conhece o gato preto que a acompanharia algumas vezes, e com quem teria alguns dos diálogos mais interessantes de toda obra.

As ilustrações de Dave McKean ajudam a dar o tom sinistro à história.

As ilustrações de Dave McKean ajudam a dar o tom sinistro à história.

“[…]Em pé, sobre o muro próximo a ela, achava-se um gato grande e preto, idêntico ao gato grande e preto que vira no terreno de casa.

– Boa tarde – disse o gato.

Sua voz soava como a voz dentro da cabeça de Coraline, a voz com a qual ela pensava as palavras; mas essa era uma voz de homem, não de menina.

– Olá – disse Coraline. – Eu vi um gato como você no jardim lá de casa. Você deve ser o outro gato.

O gato balançou a cabeça.

– Não – disse. – Não sou o outro coisa nenhuma. Sou eu. – Inclinou a cabeça para o lado, os olhos verdes brilhavam. – Vocês, pessoas, se esparramam por toda parte. Nós, gatos, nos mantemos íntegros, se é que me entende. […]”

O gato é, de longe, o personagem que mais gosto no livro. Suas respostas são ácidas e irônicas, e apesar de parecer não se importar ele passa a ajudar e proteger a garota, à sua maneira, claro.

Outro fato importante é a descoberta das crianças-fantasma, que traz a percepção de qual seria o destino se Coraline aceitasse costurar nos olhos os botões oferecidos pela Outra Mãe. Coraline então aprende o que é a verdadeira coragem, ao enfrentar o perigo tendo conhecimento do mesmo.

coraline104O livro possui elementos muito característicos de toda a obra de Neil Gaiman. A importância das portas e chaves, a grande personalidade dos gatos, o desconhecido perturbadoramente familiar, pequenos toques feéricos que trazem fantasia à história, como a pedra com furo no meio, a menina fantasma com asas de fada, e o fato de trocas, presentes e jogos terem grande relevância para a narrativa. Se você já leu a série de quadrinhos Sandman, ou qualquer outro livro do autor, é impossível que essas características passem em branco.

Se Alice no País das Maravilhas é um livro infantil para adultos, Coraline é exatamente o contrário: um livro adulto para crianças.

Comprei esse livro alguns anos atrás numa banca na rodoviária da Barra Funda, com a intenção de dar de presente ao meu irmão. Li dentro do ônibus durante a viagem, e pensei que talvez  o livro ficasse melhor na minha prateleira. De fato, ficou.

A animação mantém grande parte do espírito do livro, mas com algumas mudanças importantes, como a adição de um personagem masculino que atraísse os meninos para as salas de cinema, quebrando a ideia de que aquele seria um “filme de meninas”. Entretanto, apesar das cores, músicas e outros detalhes da animação, não se perde muito em suspense.

Além da animação feita para o cinema, o livro também já virou uma graphic novel, ilustrada por P. Craig Russel, em 2008.

 

P.S.: Estou perdendo um pouco o ritmo de leitura, mas nas férias vou compensar isso escolhendo livros maiores. Por enquanto estou gastando os livros pequenos para conseguir manter quase em dia a proposta do blog.

 

A História Sem Fim – Die Unendliche Geschichte

“Todas as verdadeiras histórias são Histórias Sem Fim! […] Há muitas portas para Fantasia, meu rapaz. Há muitos outros livros mágicos. Muitas pessoas nunca percebem isso. Tudo depende da pessoa em cujas mãos o livro vai parar”

Escrito por Michael Ende e publicado em 1979, A História Sem Fim é ironicamente o livro que me tomou mais tempo para ler desde que eu comecei a escrever este blog. Riquíssimo em detalhes e descrições, o texto pinta diversos cenários e personagens na mente do leitor.

Capa original da edição alemã.

A História Sem Fim é um livro dentro do livro, que é lido e vivido pelo protagonista Bastian Balthazar Bux, um garotinho gordo, pálido e covarde, constantemente perseguido e humilhado por colegas de escola. Tudo começa quando, ao fugir desses colegas, Bastian entra numa livraria alfarrabista (vulgo Sebo) e encontra um livro que prende completamente seu olhar. A capa era de seda cor-de-cobre e brilhava quando o livro era mudado de posição. Havia ainda um símbolo na capa: duas serpentes, uma clara e outra escura, cada uma mordendo a cauda da outra. Tomado por um impulso anormal, Bastian rouba o livro e se refugia no sótão da escola, onde ficaria até o final de sua leitura.

Capa do filme, de 1984, dirigido por Wolgang Petersen.

Toda a primeira metade do livro é extremamente rica em detalhes visuais. Conhecemos Atreiú e sua missão, de encontrar a cura para a Imperatriz Criança, poder máximo do reino de Fantasia, que está definhando de uma misteriosa doença. Ao mesmo tempo, descobrimos que um grande mal paira sobre esse reino. O Nada, que a cada instante consome mais e mais domínios de fantasia. Atreiú deve vagar por Fantasia em busca da cura, sendo guiado apenas pelo AURIN, a “Jóia”, o “Brilho”, a insígnia da imperatriz, que faz com que seja respeitado por toda as criaturas que habitam Fantasia, boas ou más, belas ou feias, sábias ou loucas.

Em dado momento, Atreiú encontra um dragão da sorte, uma gigantesca serpente com escamas de madrepérola e cabeça de leão, capaz de cuspir chamas azuis, chamado Fuchur (e que no filme seria chamado de Falkor). Juntos alcançam o Oráculo do Sul, onde Atreiú descobre que nenhum ser de Fantasia poderia salvar sua imperatriz. Apenas um filho de Adão, um humano, um habitante do mundo de fora, poderia curá-la, dando um novo nome para ela. Nesse momento Bastian tem certeza que o livro que lê está se referindo a ele. Atreiú separa-se de Fuchur por acidente, e encontra-se com o lobisomem Gmork, a personificação bestial do Nada, que nesse momento já consumiu Fantasia quase por completo. O Nada também é um ser de fora, e do diálogo dos dois surgem conceitos que dificilmente uma criança compreenderia, o que torna o livro mais que uma simples obra infanto-juvenil. O pensamento proposto por esse diálogo é muito mais profundo e remete à facilidade com que alguém é capaz de acreditar em mentiras. Pesquisando um pouco sobre o autor (como costumo fazer sempre antes de vir escrever aqui), descobri que o mesmo é um dos mais famosos escritores do pós-guerra alemão, e seu discurso está intimamente ligado à sua realidade:

“- Calma, pequeno louco, rosnou o lobisomem. Quando chegar a sua vez de saltar para o Nada, você se transformará também num servidor do poder, desfigurado e sem vontade própria. Quem sabe para o que vai servir. É possível que, com sua ajuda, se possam convencer os homens a comprar o que não necessitam, a odiar o que não conhecem, a acreditar no que os domina ou a duvidar do que os podia salvar. Por seu intermédio, pequenos seres de fantasia, fazem-se grandes negócios no mundo dos homens, desencadeiam-se guerras, fundam-se impérios…”.

O Lobisomem Gmork, o agente do Nada.

O nome do protagonista é parte importante para total compreensão da obra, afinal ele é o bastião, o grande salvador protetor de Fantasia. Quando Bastian finalmente intervém e dá um novo nome à Imperatriz Criança, começa a segunda parte do livro. Aliás, para minha surpresa, o livro conta muito mais que o famoso filme de 1984, que termina justamente nesse momento.

O AURIN, muito mais bonito no filme do que o descrito no livro. Falei!

Desse ponto para frente, todo o tom da narrativa muda. Tudo torna-se muito filosófico e intimista. Bastian é tragado para dentro a história, recebe o AURIN, que realizará cada desejo seu dentro de Fantasia. Logo de cara, o garoto começa a usar seus desejos para mudar nele tudo o que lhe incomoda: tornou-se belo, forte, ágil e corajoso. Entretanto, ao contrário dele, podemos perceber que todos os desejos tem um preço, e aos poucos ele vai perdendo suas memórias, se esquecendo de quem é e de onde veio.

Não vou me estender muito falando sobre essa segunda parte do livro, já que pode ser inédita para a maioria dos leitores daqui do blog, uma vez que não está presente no filme e em nenhuma de suas continuações. Posso adiantar apenas que, conforme Bastian enche Fantasia de novas histórias, torna-se cada vez mais vazio, a ponto de esquecer seu nome e tornar-se um perigo para seus habitantes. Atreiú e Fuchur ainda desempenhariam papéis importantes nessa segunda etapa da história.

Capa do livro, como ele aparece no filme.

Impresso pela Editora Martins Fontes em duas cores, verde e vinho, o livro tem 392 páginas, e é composto por 26 capítulos, cada um iniciado por uma letra do alfabeto, ricamente ilustrada e ornamentada. É um livro que se transforma durante a leitura. Começa leve, e a cada capítulo deixa o leitor mais angustiado e curioso. Sua complexidade o torna indicado para ser lido por adultos, que terão um aproveitamento bastante diferente de uma criança.

P.S.: Sim, eu sei que estou atrasado com os post do blog! Mas tentarei correr com um livro no fim de semana e recuperar um pouco do atraso. E pegarei livros maiores quando começarem as férias da faculdade.

Jogos Vorazes (Hunger Games)

Primeiro volume da trilogia

Você percebe que um livro é bom, quando você começa a ler no domingo, e quando chega sexta feira, já está na metade do terceiro da série. Sério, foram mais ou menos 1000 páginas lidas, sem perder o fôlego. Não encontrei nada do que esperava encontrar no livro, e isso é ótimo, porque admito que comecei a ler com certo preconceito. Achei que pudesse ser um próximo Crepúsculo. Ainda bem que estava enganado!

Eu sabia que meu irmão já havia assistido ao filme, e ficou maluco de tanta empolgação. Alguns amigos também já haviam falado bem da série, então resolvi dar um voto de confiança.

O cenário é pós-apocalíptico, onde os EUA não existem mais. Em seu lugar surgiu Panem, uma nação formada por doze Distritos, comandados com mão de ferro por uma tirânica Capital cujos habitantes vivem uma vida de supérfluos e não têm a menor idéia da miséria dos habitantes dos distritos. A história é narrada em primeira pessoa, por Katniss Everdeen, uma moradora do Distrito 12, produtor de carvão e mais pobre dos distritos. Cada um deles produz algo essencial para a Capital, e formam a linha de suprimentos da mesma. Por exemplo: o Distrito 11 é o setor agrícola, o Distrito 4 é responsável pela pesca, o 7 por madeira e papel.

Setenta e cinco anos antes, durante o tempo que ficou conhecido como Dias Escuros, os distritos se rebelaram contra a Capital, mas foram derrotadas pelas forças militares da última. O 13º Distrito foi bombardeado e destruído para servir como exemplo, e desestimular os outros à continuarem com sua rebelião. Com o fim do conflito, a Capital instituiu um evento anual que serve para lembrar os habitantes dos distritos que eles serão sempre submissos ao seu poder, chamado Jogos Vorazes. Os Jogos são um tipo de Reality Show, onde 2 participantes de cada distrito, um garoto e uma garota, de 12 à 18 anos, são sorteados como tributos para serem jogados em uma arena mortal, de onde apenas um deles deve sair vitorioso. É um programa brutal, assistido com prazer pelos habitantes da Capital, que não envia representantes, e com pesar pelos moradores dos distritos, que são obrigados à assistir aos jogos em telões públicos.

Katniss perdeu seu pai ainda jovem, morto num acidente na mina de carvão em que trabalhava. Desde então, assumiu a responsabilidade de alimentar a sua família, aprendendo a caçar na floresta e treinando suas habilidades com arco e flecha. Aos 16 anos, acaba sendo forçada à participar da 74ª Edição dos Jogos Vorazes. Acompanhar pelos olhos da protagonista o choque cultural quando ela chega à Capital é algo que dificilmente pode ser passado num filme que não conta com os diálogos internos da personagem. Todos os habitantes da Capital que ela tem contato parecem extremamente fúteis e rasos, preocupados apenas com as aparências, abusando da fartura e abundância de recursos.

Poster de divulgação da adaptação para o cinema

Quando chega na arena, percebemos o sofrimento de Katniss por saber que está sozinha, sendo obrigada a matar seus rivais, inclusive o outro tributo de seu distrito, um rapaz cuja família ela conhece há anos.

A violência e brutalidade da situação é retratada no livro de forma crua, sem exaltação, mas também sem suavização. As coisas acontecem, e a personagem tenta lidar com elas com as condições que possui no momento. Numa época de banalização da violência na televisão, nos filmes e nos videogames, o sofrimento da personagem perante os Jogos Vorazes traz uma reflexão bem-vinda para as crianças e adolescentes que gostam da série. Katniss é forte e decidida o suficiente para fazer o que for necessário para se manter viva, mas humana o suficiente para reconhecer em cada adversário uma pessoa como ela, com sonhos, família, romances.

O final do livro, apesar de trazer a óbvia sobrevivência da personagem, consegue virar a trama de forma que você espere para conhecer as consequências da vitória, e o que vem depois.

Já li o segundo volume, e estou na metade do terceiro, mas não sei como falar sobre eles aqui sem um festival de spoilers. De repente comento algo mais pra frente.

Jogos Vorazes, de Suzanne Collins é publicado no Brasil pela editora Rocco, numa edição com 400 páginas.

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Lá E De Volta Outra Vez

Um dos meus livros favoritos está ganhando sua versão para o cinema, e irá estrear dia 14 de dezembro desse ano, apenas uma semana antes do fim do mundo (uhul!).

Sim, estou falando de O Hobbit, o livro que viria a dar origem ao famoso O Senhor dos Anéis, alguns anos depois de sua publicação.

A história é sobre Bilbo Bolseiro, que parte contra sua vontade em uma viagem perigosa, junto a treze anões cheios de personalidade, e Gandalf, O Cinzento. Com temas como crescimento pessoal, heroísmo e valentia vindos de quem se menos espera, junto às causas de um vindoura guerra, a história tira o protagonista de seu lar, da sua zona de conforto, e o joga num mundo sinistro, ermo, e perigoso.

Capa clássica do livro

Ficamos sabendo também como Bilbo encontra o Um Anel, tema central de O Senhor dos Anéis, num dos melhores capítulos do livro. É mais ou menos a partir desse momento em que o protagonista passa a aceitar o fato de sua aventura não ser muito honrosa, e passa a desempenhar seu papel de “recuperador de tesouros profissional” com mais afinco, deixando de ser um peso extra para seus companheiros anões durante a aventura.

No livro, ainda confrontamos a figura mítica do dragão vermelho, a encarnação da ganância, egoísmo e inveja. Todos os personagens, mas principalmente o hobbit, são testados pelo encontro com a criatura.

Pontuando o livro, presenciamos a Batalha dos Cinco Exércitos, onde anões, elfos, homens, orcs e lobos se enfrentam.

O Hobbit é um livro fantástico, que nos guia através de colinas, montanhas, cavernas, florestas escuras, lagos cristalinos, belas cidades, uma fortaleza de pedra, e nos apresenta elfos, anões, trolls, aranhas gigantes, orcs, águias, um homem-urso, gigantes, magia. Coloca-nos diante de dilemas morais, cobiça, bondade, esperteza, desapego. Tantos elementos reunidos em um livro extremamente dinâmico e gostoso de ler.

Leitura mais que recomendada! E leia antes do filme estrear!

Seguem os 2 trailers já lançados do filme. Expectativas lá no alto!

Primeiro trailer, lançado dia 21/12/2011

Segundo trailer, lançado hoje (e ainda sem legendas)

É de arrepiar não?