Stardust – O Mistério da Estrela

“Song

Go, and catch a falling star,
Get with child a mandrake root,
Tell me, where all past years are,
Or who cleft the Devil’s foot,
Teach me to hear mermaids singing,
Or to keep off envy’s stinging,
And find
What wind
Serves to advance an honest mind.

If thou be’est born to strange sights,
Things invisible to see,
Ride ten thousand days and nights,
Till age snow white hairs on thee,
Thou, when thou return’st, wilt tell me
All strange wonders that befell thee,
And swear
Nowhere
Lives a woman true, and fair.

If thou find’st one, let me know,
Such a pilgrimage were sweet,
Yet do not, I would not go,
Though at next door we might meet,
Though she were true when you met her,
And last, till you write your letter,
Yet she
Will be
False, ere I come, to two, or three.”

—John Donne, 1572-1631

Publicado pela Editora Rocco, com 280 páginas.

Publicado pela Editora Rocco, com 280 páginas.

Escrito em 1998 por Neil Gaiman, Stardust (no Brasil, lançado com o subtítulo O Mistério da Estrela) nos apresenta o pacato vilarejo vitoriano de Muralha, seus habitantes e ao fato de que durante um dia e uma noite a cada nove anos, esse vilarejo se torna a passagem para um mundo extraordinário e feérico. E eis que nesse dia, Dusntan Thorn, um habitante de Muralha, atravessa para o outro lado e se maravilha com coisas, pessoas e criaturas que nunca sonhara ver. E uma noite, nove meses depois, Dunstan e sua esposa acordam, e encontram num cesto deixado em sua porta, uma criança e um bilhete com seu nome escrito “Tristran Thorn”.

Tristran cresce, e apesar de todos notarem algumas diferenças nele, uma de suas orelhas parecia a de um gato, foi criado como qualquer outra criança do lugarejo. Aos dezessete anos, Tristran e Victoria Forester, garota pela qual ele e metade dos rapazes do vilarejo eram apaixonados, presenciam a queda de uma estrela cadente. E a queda dessa estrela seria o gatilho para diversos acontecimentos: uma promessa impensada, uma busca pela juventude e uma competição sangrenta por um trono. E tudo isso só piora quando Tristran descobre que a estrela é uma garota, chamada Yvaine, e não um objeto inanimado que possa ser dado de presente.

Capa da versão ilustrada.

Capa da versão ilustrada.

Com a identidade literária de Gaiman presente em cada parágrafo, Stardust é uma viagem nas histórias de fantasia. É um conto de fadas para adultos. São claramente perceptíveis as regras não declaradas presentes nos contos de fadas. A importância de uma promessa, o valor de um presente, o débito de vida, a necessidade de uma vingança. Os arquétipos dos personagens aplicados de maneira clara e ao mesmo tempo sutil. A tênue linha que separa a inocência e a crueldade nos contos infantis está presente o tempo todo na narrativa.

Stardust conta uma história capaz de fazer com que você pense já conhecer algo parecido, ainda que nunca tenha lido nada parecido. A quantidade de elementos conhecidos, em situações familiares, faz com que isso aconteça. Cantigas infantis rimadas, que mostram ter grande poder no mundo feérico quando usadas no momento certo. As três grandes e velhas bruxas, que estão atrás da estrela, podem ser encontradas em diversas mitologias, como as Moiras da mitologia grega e as Norns da mitologia nórdica. Tal qual as histórias mitológicas, os personagens não são bonzinhos ou malvados. Todos são capazes de cometer atos bons e ruins. Não existe a necessidade de um vilão para o andamento da trama, embora alguns personagens adotem esse papel em momentos diferentes.

Yvaine, a Estrela

Yvaine, a Estrela

Um livro ótimo, que em 2007 deu origem à um filme legal, mas que infelizmente cai na armadilha de alguns produtores e foge da proposta inicial do autor, porém sem perder completamente o espírito da obra. Cabe a você analisar as grandes diferenças e pensar em que estilo te agrada mais.

Também ganhou uma versão ricamente ilustrada por Charles Vess, vale a pena conferir.

Veja o trailer do filme (não achei uma versão legendada):

Coraline

coraline-poster

“Você realmente não entende, não é? – disse – Eu não quero tudo o que eu quiser. Ninguém quer. Não realmente. Que graça teria ter tudo o que se deseja? Em um piscar de olhos e sem o menor sentido. E daí?”

Edição nacional, pela Ed. Rocco.

Edição nacional, pela Ed. Rocco.

Essa semana reli o livro Coraline, de Neil Gaiman, um dos meus autores favoritos. E me surpreendi como o filme me fez quase esquecer de que o livro é muito mais sinistro que sua versão animada e colorida. A arte de Dave McKean contribui bastante para esta percepção, mas a principal diferença está na narrativa, onde Coraline está sozinha em um mundo perturbadoramente familiar e estranho.

Coraline Jones é uma garotinha que acabou de mudar para um enorme casarão antigo, onde moram várias pessoas em alas fechadas. Suas vizinhas de baixo são duas senhoras que em tempos de juventude foram atrizes de teatro, e hoje vivem de lembranças de seus dias de brilho. O velho do andar de cima é meio biruta, e treina ratos para realizarem truques de circo. Os pais de Coraline estão sempre ocupados, e não dão a atenção que ela gostaria de ter.

Certo dia, Coraline descobre em sua nova casa uma porta que dá para uma parede de tijolos, e fica se perguntando o que haveria do outro lado. Então descobre que durante a noite, os tijolos não estão ali, dando lugar a um corredor escuro, e encontra do outro lado uma casa idêntica à sua, com a mesma mobília e decoração, e uma versão muito mais interessante de sua família e vizinhos.

- É CO-ra-li-ne, não Caroline!

– É CO-ra-li-ne, não Caroline!

A cada visita, Coraline aprende um pouco mais sobre esse outro mundo e sua Outra Mãe, personagem descrita de forma peculiar desde o início do livro, diferente do filme, onde ela muda aos poucos. No livro, o que muda é a percepção da garota quanto à Outra Mãe, e nem tanto a aparência da mesma. O ponto de virada se dá quando a mesma oferece à garota se tornar parte daquele mundo, apenas costurando botões negros sobre seus olhos, características de todos os habitantes daquele lugar.

É também nesse outro mundo que Coraline conhece o gato preto que a acompanharia algumas vezes, e com quem teria alguns dos diálogos mais interessantes de toda obra.

As ilustrações de Dave McKean ajudam a dar o tom sinistro à história.

As ilustrações de Dave McKean ajudam a dar o tom sinistro à história.

“[…]Em pé, sobre o muro próximo a ela, achava-se um gato grande e preto, idêntico ao gato grande e preto que vira no terreno de casa.

– Boa tarde – disse o gato.

Sua voz soava como a voz dentro da cabeça de Coraline, a voz com a qual ela pensava as palavras; mas essa era uma voz de homem, não de menina.

– Olá – disse Coraline. – Eu vi um gato como você no jardim lá de casa. Você deve ser o outro gato.

O gato balançou a cabeça.

– Não – disse. – Não sou o outro coisa nenhuma. Sou eu. – Inclinou a cabeça para o lado, os olhos verdes brilhavam. – Vocês, pessoas, se esparramam por toda parte. Nós, gatos, nos mantemos íntegros, se é que me entende. […]”

O gato é, de longe, o personagem que mais gosto no livro. Suas respostas são ácidas e irônicas, e apesar de parecer não se importar ele passa a ajudar e proteger a garota, à sua maneira, claro.

Outro fato importante é a descoberta das crianças-fantasma, que traz a percepção de qual seria o destino se Coraline aceitasse costurar nos olhos os botões oferecidos pela Outra Mãe. Coraline então aprende o que é a verdadeira coragem, ao enfrentar o perigo tendo conhecimento do mesmo.

coraline104O livro possui elementos muito característicos de toda a obra de Neil Gaiman. A importância das portas e chaves, a grande personalidade dos gatos, o desconhecido perturbadoramente familiar, pequenos toques feéricos que trazem fantasia à história, como a pedra com furo no meio, a menina fantasma com asas de fada, e o fato de trocas, presentes e jogos terem grande relevância para a narrativa. Se você já leu a série de quadrinhos Sandman, ou qualquer outro livro do autor, é impossível que essas características passem em branco.

Se Alice no País das Maravilhas é um livro infantil para adultos, Coraline é exatamente o contrário: um livro adulto para crianças.

Comprei esse livro alguns anos atrás numa banca na rodoviária da Barra Funda, com a intenção de dar de presente ao meu irmão. Li dentro do ônibus durante a viagem, e pensei que talvez  o livro ficasse melhor na minha prateleira. De fato, ficou.

A animação mantém grande parte do espírito do livro, mas com algumas mudanças importantes, como a adição de um personagem masculino que atraísse os meninos para as salas de cinema, quebrando a ideia de que aquele seria um “filme de meninas”. Entretanto, apesar das cores, músicas e outros detalhes da animação, não se perde muito em suspense.

Além da animação feita para o cinema, o livro também já virou uma graphic novel, ilustrada por P. Craig Russel, em 2008.

 

P.S.: Estou perdendo um pouco o ritmo de leitura, mas nas férias vou compensar isso escolhendo livros maiores. Por enquanto estou gastando os livros pequenos para conseguir manter quase em dia a proposta do blog.

 

Oito dicas para escrever ficção, por Neil Gaiman

Não sei se estou certo, mas acredito que quem goste muito de ler tenha ao menos uma pontinha de vontade de escrever também. Uns não o fazem por vergonha, outros por falta de tempo. Outros ainda escrevem e não mostram para ninguém. Seja como for, escrever é como qualquer outra tarefa, quanto mais treinamos, melhor as desempenhamos.

Trouxe aqui uma lista de dicas de um dos meus autores favoritos, Neil Gaiman, famoso principalmente pela série de quadrinhos Sandman, publicada no Brasil entre 1889 e 1998.

A lista foi originalmente publicada em uma coletânea de listas do The Guardian, onde vários autores defendem seus pontos de vistas sobre as melhores formas de escrever ficção.

 

  1. Escreva.
  2. Coloque uma palavra depois da outra. Encontre a palavra certa, coloque-a no lugar.
  3. Termine o que estiver escrevendo. O que quer que precise fazer para terminar, termine-o.
  4. Deixe-o de lado. Leia fingindo que nunca o leu antes. Mostre-o para os amigos cujas opiniões você respeita e que gostam do tipo de coisa que isso é.
  5. Lembre-se: quando as pessoas dizem que algo está errado ou que não serve para elas, provavelmente estão certas. Quando lhe dizem exatamente o que está errado e como consertá-lo, provavelmente estão erradas.
  6. Conserte. Lembre que, cedo ou tarde, antes que isso chegue a alcançar a perfeição, você terá que deixá-lo e seguir em frente e começar a escrever a próxima coisa. Perfeição é como perseguir o horizonte. Continue se movendo.
  7. Ria das suas próprias piadas.
  8. A regra principal para se escrever é que se você faz com suficiente segurança e confiança, poderá fazer o que bem quiser. (Isso pode ser uma regra para vida assim como para a escrita. Mas definitivamente é certa para a escrita.) Então escreva sua história como ela precisa ser escrita. Escreva-a honestamente e conte-a o melhor que puder. Não estou certo que existam quaisquer outras regras. Não alguma que importe.

 

Espero que seja útil para vocês, assim como foi útil para mim!