“Todas as verdadeiras histórias são Histórias Sem Fim! […] Há muitas portas para Fantasia, meu rapaz. Há muitos outros livros mágicos. Muitas pessoas nunca percebem isso. Tudo depende da pessoa em cujas mãos o livro vai parar”
Escrito por Michael Ende e publicado em 1979, A História Sem Fim é ironicamente o livro que me tomou mais tempo para ler desde que eu comecei a escrever este blog. Riquíssimo em detalhes e descrições, o texto pinta diversos cenários e personagens na mente do leitor.
A História Sem Fim é um livro dentro do livro, que é lido e vivido pelo protagonista Bastian Balthazar Bux, um garotinho gordo, pálido e covarde, constantemente perseguido e humilhado por colegas de escola. Tudo começa quando, ao fugir desses colegas, Bastian entra numa livraria alfarrabista (vulgo Sebo) e encontra um livro que prende completamente seu olhar. A capa era de seda cor-de-cobre e brilhava quando o livro era mudado de posição. Havia ainda um símbolo na capa: duas serpentes, uma clara e outra escura, cada uma mordendo a cauda da outra. Tomado por um impulso anormal, Bastian rouba o livro e se refugia no sótão da escola, onde ficaria até o final de sua leitura.
Toda a primeira metade do livro é extremamente rica em detalhes visuais. Conhecemos Atreiú e sua missão, de encontrar a cura para a Imperatriz Criança, poder máximo do reino de Fantasia, que está definhando de uma misteriosa doença. Ao mesmo tempo, descobrimos que um grande mal paira sobre esse reino. O Nada, que a cada instante consome mais e mais domínios de fantasia. Atreiú deve vagar por Fantasia em busca da cura, sendo guiado apenas pelo AURIN, a “Jóia”, o “Brilho”, a insígnia da imperatriz, que faz com que seja respeitado por toda as criaturas que habitam Fantasia, boas ou más, belas ou feias, sábias ou loucas.
Em dado momento, Atreiú encontra um dragão da sorte, uma gigantesca serpente com escamas de madrepérola e cabeça de leão, capaz de cuspir chamas azuis, chamado Fuchur (e que no filme seria chamado de Falkor). Juntos alcançam o Oráculo do Sul, onde Atreiú descobre que nenhum ser de Fantasia poderia salvar sua imperatriz. Apenas um filho de Adão, um humano, um habitante do mundo de fora, poderia curá-la, dando um novo nome para ela. Nesse momento Bastian tem certeza que o livro que lê está se referindo a ele. Atreiú separa-se de Fuchur por acidente, e encontra-se com o lobisomem Gmork, a personificação bestial do Nada, que nesse momento já consumiu Fantasia quase por completo. O Nada também é um ser de fora, e do diálogo dos dois surgem conceitos que dificilmente uma criança compreenderia, o que torna o livro mais que uma simples obra infanto-juvenil. O pensamento proposto por esse diálogo é muito mais profundo e remete à facilidade com que alguém é capaz de acreditar em mentiras. Pesquisando um pouco sobre o autor (como costumo fazer sempre antes de vir escrever aqui), descobri que o mesmo é um dos mais famosos escritores do pós-guerra alemão, e seu discurso está intimamente ligado à sua realidade:
“- Calma, pequeno louco, rosnou o lobisomem. Quando chegar a sua vez de saltar para o Nada, você se transformará também num servidor do poder, desfigurado e sem vontade própria. Quem sabe para o que vai servir. É possível que, com sua ajuda, se possam convencer os homens a comprar o que não necessitam, a odiar o que não conhecem, a acreditar no que os domina ou a duvidar do que os podia salvar. Por seu intermédio, pequenos seres de fantasia, fazem-se grandes negócios no mundo dos homens, desencadeiam-se guerras, fundam-se impérios…”.
O nome do protagonista é parte importante para total compreensão da obra, afinal ele é o bastião, o grande salvador protetor de Fantasia. Quando Bastian finalmente intervém e dá um novo nome à Imperatriz Criança, começa a segunda parte do livro. Aliás, para minha surpresa, o livro conta muito mais que o famoso filme de 1984, que termina justamente nesse momento.
Desse ponto para frente, todo o tom da narrativa muda. Tudo torna-se muito filosófico e intimista. Bastian é tragado para dentro a história, recebe o AURIN, que realizará cada desejo seu dentro de Fantasia. Logo de cara, o garoto começa a usar seus desejos para mudar nele tudo o que lhe incomoda: tornou-se belo, forte, ágil e corajoso. Entretanto, ao contrário dele, podemos perceber que todos os desejos tem um preço, e aos poucos ele vai perdendo suas memórias, se esquecendo de quem é e de onde veio.
Não vou me estender muito falando sobre essa segunda parte do livro, já que pode ser inédita para a maioria dos leitores daqui do blog, uma vez que não está presente no filme e em nenhuma de suas continuações. Posso adiantar apenas que, conforme Bastian enche Fantasia de novas histórias, torna-se cada vez mais vazio, a ponto de esquecer seu nome e tornar-se um perigo para seus habitantes. Atreiú e Fuchur ainda desempenhariam papéis importantes nessa segunda etapa da história.
Impresso pela Editora Martins Fontes em duas cores, verde e vinho, o livro tem 392 páginas, e é composto por 26 capítulos, cada um iniciado por uma letra do alfabeto, ricamente ilustrada e ornamentada. É um livro que se transforma durante a leitura. Começa leve, e a cada capítulo deixa o leitor mais angustiado e curioso. Sua complexidade o torna indicado para ser lido por adultos, que terão um aproveitamento bastante diferente de uma criança.
P.S.: Sim, eu sei que estou atrasado com os post do blog! Mas tentarei correr com um livro no fim de semana e recuperar um pouco do atraso. E pegarei livros maiores quando começarem as férias da faculdade.